sexta-feira, 16 de julho de 2010

Mais um conto do cotidiano..

Ela só estava ali, de pé, como que não querendo nada com ninguém. Estava cansada. Sua maior preocupação – na verdade não era bem a maior, mas esta era a única que lhe vinha à memória, pois seus pés estavam cansados – naquele momento era chegar em casa.

O dia estava ensolarado. Os raios de sol entravam de uma maneira caótica através dos vidros embaçados do ônibus. O infravermelho lá dentro estava em peso, principalmente pelo fato de que pouco a pouco outras pessoas entravam dentro da lata de sardinha, e cada uma tinha pra si a mesma opinião: de que as pessoas não deveriam estar ali, pois estavam deixando o ambiente mais desagradável do que já é com o seu calor humano.

Ela também pensava assim. Não foi a primeira a entrar no ônibus, mas foi a primeira a entrar e ter de ficar de pé. Não gostava da situação, mas já estava acomodada com ela: “é assim mesmo que tem que ser; a vida é sofrida mesmo”, pensava.

Ela estava neutra. Estava somente olhando em seu lugar, segurada no bastão áspero e seboso do veículo. Seus olhos miravam primeiramente os seios palpitantes da mulata que estava sentada. Como eram bonitos os seios daquela moça, pensava. Logo, veio-lhe a dúvida: “será que os meus também se empinam desse jeito? Será que ficam tão duros quando eu sento e não percebo que tem alguém olhando?”. Voltava os olhos a todo instante. A única coisa que a prendia de olhar fixamente para os seios da moça morena, a fim de procurar mais e mais partes dos seios até chegar o mais próximo possível dos mamilos, era o medo de que alguém a percebesse fazendo isso. Na verdade se preocupava mais com a moça. Se ela a olhasse, não saberia o que fazer de tanta timidez. Apesar de gostar de reparar nessas coisas, achava isso uma tremenda inconveniência.

Enquanto olhava disfarçadamente para os seios da mulata, olhava também – para ocupar o tempo – a avenida. Procurava detalhes, pois sabia que era por eles que se chegava ao diferente, ao excêntrico, ao particular. Se não fossem os detalhes a vida seria uma horripilante rotina monótona. Procurava em cada árvore um diferente galho, em cada esquina alguém que não estivesse simplesmente andando; dentro dos carros, procurava entender a rotina de cada um dos motoristas. Alguns deles portavam mulheres, crianças, amigos. Alguns mal-humorados, outros alegres, e assim ia... Ela só queria mesmo passar o tempo e torná-lo produtivo antes de chegar em casa.

Rua... Seios. Rua... Seios. Rua...Seios. E assim o caminho ia sendo comido pelo ônibus. Segundos passam até o próximo problema se instalar em sua cabeça. Ela se assusta, pois alguma coisa ficou diferente. Agora havia música. Uma música chata, um popizinho melódico com letras de homem chifrudo. Não suportava aquele tipo de música. Nem Ela, nem os seus pés que estavam nesse momento aprisionados primeiramente pelos sapatos de couro sintético, e depois pelo calor que não os deixavam em paz. Achou que era alguém que estivesse com algum desses celulares de última geração. Começou a investigar.Ela sabia que não iria adiantar nada se ela procurasse de onde vinha o som e olhasse para cara do infeliz que estava com aquele auto-falante do celular ligado. Ficou um tempo pensando nisso. Depois decidiu que continuaria a fazer isso, pois seria uma forma – singela e não eficaz, mas uma forma – de mostrar a sua indignação e incômodo perante a atitude da pessoa infeliz. Então, visto que tinha certeza de que essa fora a sua decisão, começou a procurar de onde vinha a música que já a incomodava cada vez mais, mas agora pelo fato de ser o alvo de seus pensamentos naquele momento. Movia a cabeça para todos os lados, olhando para cada um dos passageiros que estavam ao alcance de seu olhar. Sabia que o barulho vinha do fundo, mas mesmo assim olhava para as pessoas da frente para mostrar que estava indignada ou até mesmo para obter alguma ajuda. Seus pés não saiam do lugar, mas os olhos não paravam. De repente, tanto o seu olho esquerdo quanto o direito foram de encontro com uma parte do ônibus que Ela ainda não percebera o funcionamento: era a caixa de som. Ora, o tempo todo que tomara para culpar alguém estava sendo usado à toa. A caixa de som, ali no cantinho, tão pequenininha, era na verdade a grande culpada pela barulheira. A imaginação dela sentia olhares voltados para ela. Olhares de julgamento, como se todos soubessem que o som viesse dali, menos ela, que duvidou de todos, menos daquele que estava dirigindo e quando notou uma brecha, colocou uma musicona brega para tocar na rádio. E estava alto demais. Ela já não conseguia prestar atenção nem em detalhe, nem em nada. Não lhe saía da cabeça os olhares sarcásticos daquelas pessoas em pé. Ela pensou por um momento nos rostos dos passageiros, em ser aquilo um absurdo, visto que se ela tinha sido a primeira passageira a entrar e ter de ficar de pé, merecia um certo respeito do resto dos passageiros. Mas essa estória logo lhe foi tirada da cabeça, porque se esclareceu logo de que só uma pessoa sabia, além dos passageiros sentados, de que ela era a primeira: seria a segunda pessoa a entrar e ficar de pé, e esta não tinha cara de que iria ficar admirando os outros.

Então, resolveu parar de pensar. A letra da música parecia boa, apesar da melodia. Narrava uma estória parecida com uma que ela já tinha vivido um dia, com ele. Ela ficou bem. Parou com as observações e com os detalhes, ficou só na letra. Sentiu falta da moça quando esta saiu do ônibus.

Sentou –se no lugar que outrora pertencia à mulata, e foi nele até chegar em casa.

Enquanto isso, a música tocava através da rádio do ônibus.

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